Camilla Watson e D. Quixote – As estrelas do Largo dos Trigueiros
Camilla Watson chegou à Mouraria em 2007 e tornou-se conhecida com uma técnica fotográfica pouco comum: imprimir retratos dos moradores mais idosos do bairro nas paredes dos prédios. Fã da comida tradicional portuguesa diz adorar sardinhas, favas com chouriço e caracóis com cerveja ao final do dia! A acompanhá-la está o não menos popular D. Quixote, o fiel companheiro.
Como chegou à Mouraria?
Tudo começou no início de 2007. Estava a caminho de S. Tomé e Príncipe, para um trabalho com a UNICEF, e parei em Lisboa por causa do visto. Na viagem de regresso fiquei uma semana em Lisboa, pois já conhecia alguns portugueses. A cidade causou-me boa impressão e decidi fazer um curso de português. Vivi alguns anos no Brasil, mas tinha dificuldades em perceber a língua. Coincidiu com uma altura da vida em que não tinha raízes e não sei… a decisão de ficar foi gradual.
Veio por uma semana e foi ficando?
Sim, estava a fazer o curso de um mês de português, mas acabei por ficar cinco meses. Primeiro vivia no Príncipe Real, até que conheci a Mouraria. A primeira zona que conheci foi o Largo dos Trigueiros e adorei. Descobri que havia uma casa para vender num dos prédios e comprei (risos)! Tinha um apartamento em Inglaterra e nesta altura alguém me fez uma proposta para o comprar. Foi daquelas coisas que acontecem porque têm mesmo de acontecer! Vendi o apartamento de Inglaterra e comprei casa aqui.
E como surgiu a oportunidade de ficar com o atelier?
Isto era um armazém e ao vender a minha casa isso consegui ter liberdade para não trabalhar durante um ano. Pela primeira vez na vida tive a liberdade para trabalhar com processos alternativos, porque antes nunca podia fazer os projetos que queria. Sou fotógrafa há 22 anos e é complicado experimentar estes trabalhos, são processos muito caros.
Como surgiu a ideia de tirar fotos às pessoas mais antigas do bairro e coloca-las nas paredes?
Estava a construir o atelier e muitos idosos passavam por aqui diariamente, comecei a conhecê-los. Também tinha uma ligação próxima com as crianças, que sentiam curiosidade em relação ao meu trabalho. Comecei a ensiná-los a fazer pinholes (fotografia analógica) e foi uma ligação natural, pois as portas do atelier estão sempre abertas. E as pessoas da terceira idade também sentem curiosidade, têm tempo para conversar, são muito simpáticos e comecei a imaginar as caras deles nas paredes. Isto foi em 2009 e pensei: como vou conseguir colocar as caras deles nas paredes? Pensava na emulsão líquida e tentei imprimir as imagens diretamente nas paredes. Falhei completamente e então imprimi em madeira. Tive de ir apurando a técnica.
Como conseguiu convencer as pessoas a deixarem-se fotografar?
Sempre fiz fotografia de pessoas e todos estavam abertos a serem fotografados. A minha forma de me ligar com eles era dar-lhes as fotografias. Depois quando surgiu a ideia de colocar os retratos nas paredes, a primeira pessoa a quem pedi foi alguém que todos gostavam. Foi importante essa primeira pessoa na parede, que foi o Sr. Carlos com o D. Quixote. Depois todos queriam aparecer!
E foi este projeto que começou a chamar a atenção para o seu trabalho.
Sim, foi incrível. Primeiro ninguém ligou, mas depois começou a chamar a atenção das pessoas de fora do bairro. É o meu projeto ao vivo e que continua exposto.
O que gosta mais na Mouraria?
Sinto-me bem a morar aqui, fui muito bem acolhida pelas pessoas. Gosto da tranquilidade, o largo é muito calmo e perfeito para o meu trabalho. Gosto de ter um atelier que dá para a rua, é um sítio onde posso criar, aqui tenho isso tudo.
Como é a sua relação com a gastronomia portuguesa, o que mais gosta de comer?
Por exemplo, hoje à noite vou comer carne de porto à alentejana no Grupo Gente Nova. É uma festa com um grupo de pessoas do bairro. Também gosto do Cantinho do Aziz, do Trigueirinho e a Leitaria Moderna. Quanto aos pratos típicos gosto de sardinhas, dos sabores mais tradicionais como salsichas com couve lombardo, bacalhau à lagareiro, adoro canja e favas com chouriço! Adoro ameijoas à bulhão-pato e caracóis com cerveja ao fim do dia!
E projetos para o futuro?
Gostava de continuar a colocar imagens ao ar livre, a colaborar com a comunidade, mas também fazer um projeto com alguma ligação à história do bairro. Acabei de colocar uma imagem na esplanada do Cantinho do Aziz tirada em 1987. Aquela foto é do dono do restaurante, que na altura tinha 8 anos, e foi tirada naquela mesma parece. Gostava de colocar no Largo do Trigueiros uma fotografia tirada há 100 anos ao lado de uma foto atual, como que a contar uma história. E há imagens lindas!