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A História por trás da obsessão portuguesa pelo bacalhau

Portuguese codfish bacalhau

 

Se alguma vez leu sobre culinária portuguesa deve ter-se deparado com a afirmação de que o bacalhau é o prato nacional de Portugal. Poderíamos argumentar esta hipótese, não só porque pensamos que existem outros pratos que melhor encarnam a história gastronómica de Portugal, mas também porque o bacalhau não é um prato, mas sim um ingrediente. Dito isto, o bacalhau salgado é indiscutivelmente um alimento chave a nível nacional e assim o tem sido durante os últimos 500 anos.

A cura de peixe em Portugal ao longo dos tempos

Aqui em Portugal, quando falamos de bacalhau, estamos automaticamente a referir-nos a bacalhau curado. Só nas últimas duas décadas é que os cozinheiros portugueses começaram a experimentar com o bacalhau fresco, que ainda não chega a representar 10% do consumo total de bacalhau no nosso país.

Já há 2000 anos, durante o auge do Império Romano que se estendia pela Europa afora e até a Península Ibérica, Portugal já se distinguia na seca de peixe. Aliás, naquela época, Portugal era o maior fornecedor de conservas de peixe para todo o império. Peniche, o Sado e o Vale do Tejo, todos próximos de Lisboa, bem como as zonas mais a sul do Alentejo e do Algarve, albergavam fábricas de transformação de pescado, com um potencial económico muito notável. Mesmo quando as rotas comerciais do Império Romano começaram a perder importância, as indústrias portuguesas de pesca e conservação de peixe sobreviveram bem ao longo dos séculos.

Todo o tipo de peixe pescado no litoral português era curado com sal abundante e seco ao sol, para garantir uma longa vida útil ao ingrediente, não só localmente e ainda mais para ser transportado para vários pontos do país e do continente. A salga de peixe surgiu como uma técnica graças à pura necessidade de conservar os alimentos quando ainda não existiam métodos confiáveis ​​de refrigeração.

 

bacalhau Portuguese codfish

 

O bacalhau antes dos Portugueses

O bacalhau nunca existiu em águas portuguesas. Esta grande espécie, gadus morhua, que pode pesar até 40 kg, vive em águas profundas e geladas, como as do Atlântico Norte. Não há registro histórico exato de quando o bacalhau começou a ser consumido pelos humanos, mas sabemos com certeza que, por volta do século IX, os vikings já contavam com este peixe na sua dieta, durante as suas viagens marítimas. Embora o bacalhau pudesse ser pescado a bordo dos navios durante as próprias travessias, os vikings já faziam questão de conservá-lo com antecedência, para garantir a alimentação por longos períodos de tempo. Ao contrário dos portugueses, o método viking de conservação do peixe não envolvia sal. O peixe era simplesmente aberto, as espinhas retiradas e de seguida posto a secar ao sol, em estruturas de madeira ou sobre rochas à beira-mar. A retirada do teor de água da carne garantiria a segurança durante o seu armazenamento. Hoje em dia, ainda se encontra bacalhau seco, stockfish, em países nórdicos como a Islândia e a Noruega.

 

drying cod

 

Na mesma época, os bascos, da atual Espanha, eram fortes baleeiros um pouco por todo o Atlântico. Tendo entrado em contacto com os vikings, os bascos aprenderam sobre o stockfish, a técnica de seca de bacalhau que foi naturalmente transmitida a outros povos europeus de tradição marítima, como os portugueses. Mas o que hoje conhecemos como bacalhau, ainda não surgiu nesta altura.

 

A “descoberta” portuguesa do bacalhau

O bacalhau salgado só passou a existir quando em 1497 os portugueses chegaram à Terra Nova, no Canadá. Foi no século XV que os portugueses se depararam com aquela que era a fonte de bacalhau mais abundante alguma vez vista. Embora fazer stockfish fosse a escolha mais óbvia para aproveitar ao máximo este recurso alimentar, a verdade é que o clima do outro lado do Atlântico não tornava viável este método de preservação. Assim, os portugueses fizeram o que já faziam há séculos com outros peixes: salgá-lo! Pescavam o bacalhau, retiravam-lhe as entranhas, cortavam-no em pedaços tal como se fazia até então para secar ao sol, mas em vez de o pendurar ao ar livre, colocavam-no dentro de barricas de madeira com grande quantidade de sal grosso.

 

a close up of text on a white background

 

O bacalhau salgado representava uma fonte de alimento incrivelmente nutritiva e duradoura a bordo dos navios durante as expedições marítimas portuguesas nas Américas e na Ásia. Claro que o mesmo poderia ter sido feito com os peixes mais pequenos pescados na costa portuguesa, mas o bacalhau era mais atraente, não só pelo seu tamanho mas também pela sua carne branca e lascável que as pessoas passaram a apreciar ao longo dos séculos.

É então que termina a era do stockfish em Portugal e na Península Ibérica e começa o reinado do bacalhau salgado. Curiosamente, o nome bacalhau evoluiu do holandês kabeljauw, que por sua vez já teria sido emprestado do francês cabaillaud. Independentemente do nome, a partir deste momento na história, os países marítimos da Europa começaram a preferir o bacalhau salgado.

 

codfish

 

No século XVI o comércio atlântico de bacalhau estava em pleno desenvolvimento. A pesca no Atlântico Norte era dominada pelos ingleses, que fizeram um acordo com Portugal para trocar o peixe pelo sal, que também usavam para conservar o bacalhau que iriam fornecer ao resto da Europa e às Caraíbas. Os pedaços de melhor qualidade eram trazidos para a Europa, enquanto que o bacalhau de qualidade inferior era enviado para as Caraíbas para alimentar os escravos. Mesmo no contexto português, tendo em conta as grandes quantidades de bacalhau que estavam a ser comercializadas, os preços eram baixos. Sendo nutritivo, fácil de transportar, duradouro e barato, o bacalhau salgado passou a ser considerado a carne dos pobres. Não existem registos exactos que documentem quando os portugueses começaram a referir-se ao bacalhau como o fiel amigo, mas podemos perceber que durante esta altura já desempenhava um papel muito importante. Não importa a época do ano, ou em que parte do país se estivesse, sempre se podia contar com este peixe carnudo, muito apreciado pelo seu seu sabor e textura.

Durante este tempo, Portugal também tinha a sua própria frota de navios, mas após a nação ter começado a investir fortemente na era das Descobertas, menos recursos foram alocados para os barcos de pesca. Depois de já ter desenvolvido o gosto pelo bacalhau salgado, Portugal continuou a consumir este peixe, mesmo que isso significasse ter de o importar na sua grande maioria. E, assim, Portugal começou a receber este peixe que seria preservado localmente através de métodos de salga. Com o tempo, isso levou a que os custos começassem a aumentar. A especulação sobre os preços do bacalhau despertou o interesse dos nobres, que até então não estavam particularmente interessados ​​em comer um alimento considerado do povo.

 

história do bacalhau

 

Durante o século XVII, à semelhança do que acontece hoje em dia, o bacalhau salgado era um alimento que se comia um pouco por todo o país, tanto por gente humilde como rica. Mas em breve, com o monopólio inglês do fornecimento de bacalhau para Portugal, o bacalhau tornou-se um alimento exclusivo das classes mais altas que ainda o conseguiam comprar.

Foi em 1835, quando foi fundada a Companhia de Pescarias Lisbonense, que os portugueses voltaram a pescar o seu próprio bacalhau.

 

O “fiel amigo” e o regime do Estado Novo

Os anos de glória da indústria portuguesa da pesca de bacalhau aconteceram entre 1950 e 1960. Durante este tempo, Portugal vivia sob a ditadura de Salazar e o regime do Estado Novo. Em 1937, os pescadores de bacalhau, conhecidos como bacalhoeiros, fizeram uma greve histórica, que levou à instalação de regras mais bem definidas para o sector, bem como medidas de proteção para os que nele trabalhavam. Ser bacalhoeiro significava arriscar a vida cada vez que se saía ao mar. Embora as expedições ocorressem a bordo de grandes navios, a pesca propriamente dita ocorria em pequenos barcos de calado raso chamados dóri, onde os trabalhadores capturavam individualmente vários peixes usando o método de cana e isco, antes de retornar ao barco principal onde se dava início ao processo de salga.

Com o incentivo do governo e uma frota de 13 navios de pesca de bacalhau a operar na Terra Nova e na Noruega, Portugal tornou-se líder mundial na produção de bacalhau salgado.

 

a group of people standing in front of a codfish store in Lisbon

 

Durante esta época, o bacalhau era um prato forte na mesa portuguesa em casa, mas também nas tabernas e restaurantes que se começaram a popularizar a partir do século XIX, sobretudo na capital. As medidas do Estado Novo garantiram a estabilidade do preço do bacalhau, pelo que nenhuma família teve de se separar do fiel amigo.

Após a revolução industrial e a posterior generalização do uso do frio para a conservação dos alimentos, a verdade é que a salga deixou de ser um método necessário para preservar o peixe. Mas nesta altura, não só os portugueses tinham desenvolvido um gosto pelo particular sabor e textura do bacalhau, como também este peixe se terá tornado parte da identidade nacional. A propaganda política de Salazar, que difundiu a narrativa do bacalhau fazer parte íntegra da herança e tradição portuguesas, muito contribuiu para isso. Mas o mesmo aconteceu com a religião cristã, que proíbe aos seus fiéis o consumo de carne às sextas-feiras ou no período da Quaresma que antecede a Páscoa. Jejuar, de acordo com a tradição católica, significava evitar a carne, mas como o peixe era permitido, o tão amado bacalhau ajudava a que a privação fosse bem mais saborosa.

 

Solidificação do estatuto do bacalhau na gastronomia Portuguesa

Nos tempos que correm, o bacalhau que se consome em Portugal é importado, sendo que 70% vem da Noruega. Com a dissolução da ditadura em 1974, Portugal voltou sobretudo a importar este peixe, mas isso não significou que as taxas de consumo diminuíssem. Por esta altura, o bacalhau era já uma parte tão integrante da dieta portuguesa e, sendo muitos dos pratos mais celebrados da gastronomia portuguesa à base de bacalhau, já não havia volta atrás.

Hoje Portugal é o maior consumidor mundial de bacalhau salgado, representando 20% do consumo global, com uma média de 35kg por pessoa por ano. O bacalhau é particularmente importante durante as reuniões familiares e celebrações religiosas como o Natal.

 

Manteigaria Silva - bacalhau

 

Ao viajar em Lisboa, pode visitar uma bacalhoaria ou mercearia tradicional, onde terá a oportunidade de apreciar o peculiar aroma do bacalhau salgado, bem como aprender sobre as diferenças dos cortes e como escolher uma boa posta de bacalhau. Independentemente do que for fazer a seguir, o bacalhau precisa sempre de ser demolhado em várias rodadas de água fresca antes de ser cozinhado. Como tal, se quiser fazer as coisas de modo tradicional, é importante planear com pelo menos 24 horas de antecedência, caso queira cozinhar uma receita tipicamente portuguesa de bacalhau em sua própria casa. Ainda que hoje em dia também se encontra bacalhau salgado previamente demolhado na secção dos congelados dos supermercados.

Apesar de Portugal continuar a consumir muitos outros peixes, como a sardinha, o carapau e a cavala pescados na nossa própria costa, o bacalhau continua a ser altamente apreciado como fonte de nutrição e versatilidade. Mas, acima de tudo, os portugueses simplesmente adoram o sabor do peixe depois de curado com sal, e a textura da carne que se desfaz em lascas muito agradáveis no paladar.

 

a plate of bacalhau on a table

 

Ao viajar por Portugal, encontrará uma grande variedade de receitas regionais do peixe favorito dos portugueses. Dos grossos lombos de bacalhau que protagonizam o bacalhau à Lagareiro, aos sames – a bexiga natatória – utilizados em estufados, e as caras de bacalhau cozidas e servidas com grão e legumes, tal como costuma acontecer com o porco, todas as partes do animal são usadas e apreciadas. Não importa o corte ou a receita, hoje em Portugal podemos dizer que o bacalhau é o ingrediente rei da gastronomia Portuguesa.

Já comeu bacalhau em Portugal? Com o seu cheiro forte e sabor particular, sabemos que pode ser um gosto adquirido. Conte-nos se gosta via Instagram ou Facebook. Marque-nos para ficarmos a saber: @tasteoflisboa#tasteoflisboa.

 

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