O prato nacional de Portugal (não é bacalhau…)
Pergunte aos lisboetas qual é que eles acham que é o prato mais representativo da nossa cidade e muito provavelmente dirão sardinhas assadas. Afinal, sardinhas assadas são o prato de verão mais popular, e ponto alto gastronómico das famosas festividades do Santo António. Mas quando se pensa em Portugal como um todo, tanto os habitantes como os estrangeiros provavelmente assumem que o bacalhau é o prato mais representativo da cozinha portuguesa.
Hoje, gostaríamos de argumentar que o bacalhau NÃO é o prato nacional de Portugal! E, à medida que exploramos as razões pelas quais este peixe não deve levar o grande prémio da identidade da nossa cozinha nacional, encontramos um candidato melhor para receber esta distinção.
O bacalhau e a cozinha portuguesa estão profundamente ligados. A introdução deste peixe em Portugal data de cerca de quinhentos anos, na altura em que os nossos compatriotas partiram na chamada Era dos Descobrimentos. Portugal tinha uma longa tradição de cura de peixe com sal, sendo o principal fornecedor de peixe salgado para o Império Romano já no século I.
A pesca de bacalhau começou na Terra Nova (Canadá) e na Gronelândia, avançando para a Islândia e a Noruega, de onde vem a maior parte do bacalhau que hoje em dia se come em Portugal. O curioso do consumo de bacalhau em Portugal é que, apesar de Portugal ter uma longa costa rica em várias espécies de peixes e mariscos, o gosto por este peixe é tão forte que o importamos das águas do Atlântico Norte.
Embora o bacalhau já tivesse sido consumido em Portugal há vários séculos, foi durante o período da ditadura que este peixe se enraizou na identidade do nosso país. Durante os anos 50, o governo interveio na regulamentação da indústria da pesca e preservação do bacalhau, potenciando a presença do bacalhau nos nossos mercados e na mesa portuguesa. Este era um ingrediente ideal que, ao ser salgado, chegava às localidades mais pequenas e mais isoladas de um país que, na época, não tinha vias de transporte muito desenvolvidas, garantindo assim que um peixe acessível pudesse ser consumido nas áreas mais distantes da costa.
Se o prato nacional de um determinado país representasse simplesmente os gostos específicos dos habitantes daquela nação, o bacalhau poderia de facto ser o eleito dos portugueses. Mas se quisermos considerar um prato nacional não só como sendo representativo das preferências de sabor, mas também de relevância histórica e da estreita relação com a terra e as suas gentes, então acreditamos que, entre o vasto repertório da cozinha portuguesa, o cozido à portuguesa é uma muito melhor escolha como prato nacional de Portugal. Não só porque tem uma história muito mais longa no nosso país, mas também porque se pensarmos bem, o bacalhau não é um prato em si, mas sim um ingrediente. Aliás, como se diz popularmente “existem mais de 365 receitas de bacalhau em Portugal, uma para cada dia do ano”!
O prato de carnes bem rústico que é o cozido à portuguesa é património português em forma comestível! Até a quantidade de variações regionais que se podem encontrar em todo Portugal é representativa de como os portugueses em todo o continente e nas ilhas abraçaram esta receita, adicionando os seus próprios toques com ingredientes locais.
O cozido à portuguesa é preparado com carnes variadas, tanto cortes frescos como miúdos, enchidos e fumados. Pedaços de frango, porco, vaca e variedade de enchidos são acompanhados por vegetais como couve, feijão, cenoura e batata. Para completar este prato que já não era de todo leve, o cozido à portuguesa é ainda servido com arroz branco que ajuda a absorver o rico caldo da cozedura de todos estes ingredientes.
O Cozido é uma materialização não só da gastronomia portuguesa mas, de facto, de toda a história do Sul da Europa. Muito antes que Portugal, Espanha, França ou Itália pudessem ser identificados como os países com as fronteiras como os conhecemos hoje, receitas semelhantes já eram preparadas e consumidas. Hoje em dia, podemos encontrar receitas relacionadas em todos esses países: Olla Podrida ou Cocido em Espanha, Pot-au-feu em França e Bollito Misto em Itália.
É muito provável que a receita do cozido tenha surgido da técnica e do hábito de cozinhar uma variedade de ingredientes em água ou caldo. Enquanto alguns antropólogos da alimentação argumentam que Portugal adaptou a sua receita de Espanha durante a Idade Média, a partir do século V, outros acreditam que foi uma evolução local natural que remonta ainda mais atrás na história. Este é um dos pratos mais antigos e ainda muito consumido em Portugal nos dias de hoje!
Receitas semelhantes começaram a ser preparadas na época dos fenícios e posteriormente dos romanos, nos tempos em que ocuparam a Península Ibérica. Falamos de há 5000 anos atrás! De facto, foram os fenícios que introduziram os porcos na nossa região, que são agora não só uma das bases da cozinha portuguesa, mas também ingrediente que não pode faltar naquele que pensamos ser o nosso prato nacional, o cozido à portuguesa.
A primeira receita documentada de cozido à portuguesa surgiu em 1680, no livro “Arte de Cozinha”, o primeiro livro de receitas português, da autoria do cozinheiro da família real Domingos Rodrigues. Neste livro, descreve-se o cozido como uma rica receita que inclui carnes de perdiz, coelho e pombo. Se pedir cozido à portuguesa num restaurante hoje em dia, não conte com que lhe sirvam este tipo de carnes. Mas esta é precisamente a beleza deste prato que ajuda a solidificar o nosso argumento de que esta é, de facto, a receita mais representativa do nosso país.
Porque, mais do que um prato, é uma técnica de cozinha que reúne um sortido de ingredientes que contam a história do local onde o prato está a ser cozinhado, bem como fala alto e bom som do contexto socioeconómico da família que o prepara. Podemos incluir cortes de carne mais ou menos nobres no cozido. Podemos variar a proporção de carnes e vegetais. Podemos incluir mais ou menos enchidos, mas, de uma forma ou outra, ainda estamos a falar de cozido!
Se tiver a sorte de viajar por Portugal e comer cozido mais do que uma vez, fique atento às variações regionais. No Alentejo, por exemplo, embora o porco seja a principal carne do cozido, é habitual incluir também borrego. Na região sul do Algarve, onde a batata-doce é um dos produtos agrícolas mais típicos, este tubérculo também pode ser adicionado. No norte, tanto no Minho como em Trás-os-Montes, as maiores variações estão relacionadas com a utilização de enchidos locais. Nos Açores encontra também o cozido das Furnas, onde a refeição é cozinhada num buraco no solo, utilizando o calor do vapor vulcânico!
Concorda que o Cozido à Portuguesa é melhor candidato a Prato Nacional de Portugal, versus o bacalhau? Qual é, para si, o prato mais representativo da cozinha portuguesa? Partilhe via Facebook ou Instagram! Tague-nos @tasteoflisboa #tasteoflisboa
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